segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Rui Vitória = David Moyes?

No tempo em que Jesus foi treinador do Benfica havia um argumento que era usado para defendê-lo que achava particular piada. E como boa parte dos argumentos que eram usados para defender Jesus, também este era plenamente falacioso, a roçar a mentira e o patético. Para muitos Jesus era uma espécie de Alex Ferguson do Benfica. Pelo tempo que levava no clube, pela sua importância no seio das tomadas de decisão e pelo que ainda nos podia dar de futuro. Ridículo. Em primeiro lugar, o escocês, apesar de... escocês, não era um "brugesso". Em segundo lugar, quando Ferguson chegou ao United já tinha um palmarés assinalável. Em 3º lugar, o United estava quase em coma, com classificações paupérrimas, do tipo meio da tabela por vezes. E em 4º lugar o United, um dia, teve uma coisa chamada "Class of 1992", coisa que com Jesus era impossível. Pronto, em 4 simples argumentos se desmonta essa tese.

Sir Alex Ferguson treinou o Manchester United FC durante 27 anos, período que em Portugal seria impossível (menos no Infesta de Augusto Mata). Mas os 6 anos do consulado de JJ são a next best thing num país como o nosso. Em 2013, os red devils escolheram para manager David Moyes, treinador com um percurso interessantíssimo no Everton, sobretudo pela longevidade e pelo modo competitivo como os toffees sempre se apresentaram. Chegado ao United, Moyes deparou-se com uma realidade diferente, um grau de exigência diferente e em virtude disso, a equipa caiu a pique. Qualidade havia. A restante estrutura do clube também se mantinha. Mas o nível da equipa desceu. Abruptamente. Culpado? Moyes? Sim. Mas não só. E se calhar o menor dos responsáveis. A questão é o choque. De mentalidade e de processos. E a responsabilidade de Moyes foi não saber fazer a transição. E nem mesmo com um treinador credenciado como Van Gaal as coisas se resolveram, mesmo atirando milhões para cima do problema. 

Será Rui Vitória o nosso Moyes? O ribatejano, tal como o escocês, tem um percurso bem "giro", feito com subida a pulso e qualidade das prestações das suas equipas. Tem até uma Taça de Portugal conquistada. Mas admitamos: a transição tem sido tudo menos suave. Em primeiro lugar, uma pré-temporada planeada de um modo inacreditável, já que Vitória precisava de tudo menos da exposição mediática numa tournée interminável em paragens distantes. Precisava de se recolher no Seixal, com paz, para perceber bem o clube e os jogadores. Em segundo lugar, num ano de transição perder gente importantíssima como Lima, Maxi e Salvio (até Janeiro) foi uma machadada grande. E em terceiro lugar, as lacunas que o plantel apresentava em 2014/15 mantiveram-se: lateral esquerdo e um número 8. Estas só foram disfarçadas por um treinador que conhecia bem os jogadores, mas que mesmo assim as soluções dadas eram bem pobres. Nem Pizzi, nem Eliseu são jogadores com a qualidade necessária para estarem no 11. E o ataque ao mercado é, como sempre, lentíssimo! E por fim, Vitória tem demonstrado inépcia ao decidir-se por um rumo e mantê-lo: a dupla do miolo está sempre a mudar, Nélson Semedo só nos jogos a sério é que apareceu e Victor Andrade, para mim o mais regular por cima, nem à América do Sul foi. Se perdermos Gaitán, aí sim, o tri será quase impossível. Ou seja: a transição tem sido, tal como sucedeu com Moyes, um fracasso! E não podemos passar de camarão tigre para miolo de camarão congelado e esperar os mesmos resultados!

Já li, algures, que por menos Vieira despediu Fernando Santos. Mas a verdade é que o caso muda agora de figura: Vitória é uma aposta muito mais pessoal. E seria uma incoerência maior que o habitual se o treinador não acabasse a época. E Vieira, se quer ser um presidente estadista, tem de entrelaçar o seu destino com o do treinador. A mim preocupa-me que o ribatejano não tenha, como é por demais evidente, a mesma autonomia que Jesus. Preocupa-me que tenhamos voltado ao tempo de Quique e de Santos, onde estes nada decidiam no rumo do futebol. Preocupa-me que Vieira tenha mesmo decidido puxar as rédeas do futebol só para si, ele que, admitidamente, nada percebe do assunto. 

Temos que nos mentalizar que, muito provavelmente, este será um ano de estaca 0 (oxalá que não), em que o clube se vai ter de adaptar a outros ritmos de trabalho. E que Vitória usará a temporada como laboratório para experimentar a mudança de paradigma anunciada pelo presidente. Uma espécie de passo atrás para dois à frente. Espero eu... Mas se encararmos as coisas deste modo, o treinador tem de ter autonomia total.

Para já, a nível desportivo tudo péssimo! A equipa joga mal, malíssimo. Vê-se algo que não se via há muito: desorientação. Dois jogadores a atrapalharem-se um ao outro. Futebol desgarrado, onde Lisandro pega na bola em velocidade (o argentino tem estado bem melhor que Luisão) para tentar causar desequilíbrio e depois tem que passar para trás... Todos os jogadores da frente entregues à marcação e com Samaris a esquecer tudo o que sabia. E a quantidade de passes falhados? E Gaitán? Totalmente sem alegria. E em todos os jogos que vimos o Benfica de Vitória isso mantém-se. E mais preocupante: não há evolução em mês e meio de trabalho! E isso pode custar-lhe o futuro. Por outro lado, parece que ganhámos Nélson Semedo e Victor Andrade, que ontem fez uns belíssimos 45 minutos. Esclarecido e tecnicamente evoluído. O tal futuro do Benfica começa aqui?

Veremos o que o futuro reserva. Para já, temos de estar em alerta. Preocupados. E não venham com a conversa que "eu apoio o Benfica na vitória e na derrota" e blá, blá! Apoiar apoiámos todos! A questão é como cada um lida com o desgosto. Com a habituação que temos ganho esta época, já consigo é racionalizar as derrotas cada melhor...

Adenda: Ver benfiquistas que atribuem responsabilidades à arbitragem pela derrota do Arouca dá-me arrepios! Recorrer a esse expediente para justificar uma exibição miserável perante um clube que gasta num ano o ordenado de um jogador do Benfica é preocupante. É a morte do que é ser do Benfica. Usar o árbitro para esconder fragilidades perante um Arouca que nem fez um grande jogo é é repreensível. Olhem para dentro! Deixem o árbitro, o Bruno de Carvalho, o Jorjus e o Flopetegui!

4 comentários:

Unknown disse...

adoro este blog! adoro!
antes de mais nada: http://www.flip.pt/Duvidas-Linguisticas/Duvida-Linguistica.aspx?DID=1451 (preciosismo linguístico ao qual creio que o autor não será indiferente).
quanto à matéria de facto: eu não vejo a possibilidade do tri na continuidade do gaitan. hoje a mim esse argumento parece me do calibre da desculpa das arbitragens. A revalidação do título tem neste momento uma probabilidade negligenciável.... mínima. Tal não está relacionado com a construção do plantel, mas sim com o nosso momento estratégico.
A coisa sempre e só mais difícil de substituir é a liderança e o carisma. Depois de 6 anos de jj teríamos sempre que começar com um ano 0 qualquer.(continua)

Unknown disse...

(continuação) atente se no percurso de 94 a 09 e perceba-se que pelo menos a instabilidade é um dos maiores prejuízos. se é inteligente e ambicioso, o rui vai desenvolver, num mês, num semestre, num ano ou em 10.
a instabilidade releva num clube como o Benfica de sermos a maioria, e de sermos uma maioria imensa. dentro do Benfica não há só um caos de opiniões e perspectivas, há a paciência para as discutir até à náusea. 3 jornais, 10 televisões, 100 programas semanais a parasitarem a vida do clube.
(dos quais eu, pessoalmente, consumo zero. acho que com jornal, site e canal próprio de televisão, e na era do facebook e da blogosfera, há muitas coisas essenciais que estão por fazer ao nivel da comunicação). (continua)

Unknown disse...

(concluindo...) para deixar a ideia que quero e acho mais importante.
depois de 15 anos de perplexidades sem fim (94 a 09), a era jesus, que se vem provando, se ficou a dever à clarividência ocasional e à capacidade de liderança de uma pessoa, deu-nos um balão de oxigénio existencial, de confiança e amor próprio que há muito não se sentia. como bicampeão, o Benfica pode dar se ao luxo de recomeçar a construir algo, dar início a uma nova etapa. e por isso acho que este é o momento de desejar boas semanas de trabalho ao rui vitória no seixal, sem complexos e com confiança. na medida da possibilidade de cada um ir acompanhando a equipa e apoiando a sua evolução, mas principalmente este é o momento para os sócios 'trocarem' a pele do adepto de bancada e inteirarem-se da governação do clube. participar nas AG's, convocá-las se necessário, ler os documentos, informarem-se. O vieira pode ser um leigo no futebol e ter milhentos defeitos, mas existe uma 'obra', que do ponto de vista económico nos projecta para uma dimensão pura e plenamente europeia. mas isso pressupõe duas coisas: boa política. e a preservação do balneário.
digo estas coisas porque é dificil perceber como é que o clube que explora os seus direitos televisivos e tem o mesmo patrocínio dos tubarões europeus pretende cortar os custos e lida timidamente com o mercado. há coisas que não estarão bem na gestão política e económica do clube e é agora que o benfiquismo goste ou não tem a palavra decisiva. o benfica é o que o seu povo quiser.

Anónimo disse...

É muito simples. São as duas palavrinhas proibidas:







"Erro histórico". Parabéns à "estrutura".

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